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Uma imagem mais mil palavras

Este blog é uma parceria com a Carina Pereira, autora do blog '' contadordestorias.blogs.sapo.pt '' e Cristina Viviana. A combinação de desenhos e textos faz "uma imagem mais mil palavras"

Uma imagem mais mil palavras

Este blog é uma parceria com a Carina Pereira, autora do blog '' contadordestorias.blogs.sapo.pt '' e Cristina Viviana. A combinação de desenhos e textos faz "uma imagem mais mil palavras"

28
Jan18

O bibliotecário

F. Alexandra

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O bibliotecário

 

Lá estava eu outra vez. Tal como as terças-feiras à tarde, enfio-me naquela biblioteca à procura de algum silêncio. Com a agitação do meu escritório, o que mais quero é um pouco de paz, um café e um bom livro.

A biblioteca chama-se-  biblioteca da saudade. O dono deu-lhe este nome em homenagem a um dos poemas de Fernando Pessoa – Saudade.

Tem uma decoração ainda ancestral. Escura, mas com suficiente luz para me concentrar numa boa leitura.

Sou fã incondicional da literatura lusófona, mas naquele dia, procurava um livro do Nicholas Sparks, um livro de amor recomendado por uma amiga. Talvez ela veja em mim alguma falta dele.

O livro que procurava estava numa das prateleiras superiores e tive de pedir para que a bibliotecária o ir buscar para mim. Apesar da escada estar à vista de todos, apenas os que cá trabalham a podem utilizar.

Dirigi-me até à secretária e deparei-me, não com uma, mas com um bibliotecário. Pouco comum ver-se homens neste tipos de profissões. Os tempos mudaram e ainda bem.

Quando me olhou e perguntou o que precisava, paralisei. Um arrepio estúpido, que se manifestou por toda a minha pele, tomou conta de mim. 

Apesar de falar bem, não me parecia Português. Tinha uns olhos negros e cheios de magia e uma pele com um leve tom a caramelo.

Tentei acalmar-me e explicar-lhe calmamente o que pretendia. Com a sua voz suave, pediu-me para que me sentasse enquanto ia buscar o livro que procurava.

Sem hesitar, procurei o primeiro lugar vazio para sentar-me e respirei fundo. Coloquei as mãos suadas sobre a mesa enquanto os meus olhos o seguiam. O meu olhar parecia ter vida própria, sem que eu o conseguisse controlar.

Segui-o até ele chegar a mim. Aceitei o livro e agradeci, sem que os meus olhos se conseguissem separar dos seus.

Não me conseguia sentir só o conseguia sentir.

Foi então aí que me apercebi, que aquele dia, não foi apenas mais uma terça-feira à tarde como todas as outras. Foi o dia em que o meu coração se encheu de ti como um livro se enche de palavras e, anseando agora, por todas as terças-feiras. Para que possa te ler outra vez, com toda a intensidade, como se de um livro de amor te tratasses.

 

 

09
Set17

O Monstro

F. Alexandra

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Ela abriu a porta do quarto e a escuridão engoliu-a.

Isto poderia ser uma história normal, sobre um quarto tão escuro, que nenhuma luz o conseguia penetrar. Mas não é. Nem a história, nem a escuridão do quarto, são normais. Nem a rapariga que abriu aquela porta o foi alguma vez.

Há quem não acredite em monstros debaixo da cama, mas há uma razão porque à noite os barulhos ecoam e os passos soam mais alto ao pisarmos o chão. Na noite moram criaturas que só os mais sensíveis pressentem, e que ninguém vê. Ninguém, excepto a rapariga, claro está.

Deu um passo, encarando a escuridão de frente. Estendeu o braço; sabia que ele estava ali, que a pressentiria. Momentos depois sentiu uma mão fechar-se sobre a sua, um toque que não era humano, mas também não era bem extraterrestre. Aquele toque era de algo que tinha vivido entre mundos durante muito tempo: a Terra é boa a acomodar os que não pertencem a lado nenhum.

Fechou a mão e, olhando para baixo, viu uns olhos abertos que cortavam o breu e a fitavam, num misto de temor e alívio. Baixou-se, tacteou o chão à sua volta e finalmente conseguiu sentar-se com firmeza.

“Estou aqui. Já estou aqui.”

Da próxima vez que pestanejou a escuridão fora substituída por penumbra. Agora ela via o contorno, apenas e só o contorno, dos objectos à sua volta. O sol ainda se punha para lá da janela, dando ao mundo um tom vermelho e dourado.

A primeira vez que o vira, fora ao contrário. A luz também se esvaía lá fora, mas ele dera-lhe uma luz mais intensa, para que ela não tivesse medo. Em troca ela contara-lhe histórias e desde aí ele vinha sempre visitá-la à mesma hora, sem atrasos nem ausências. Era ela quem agora se ia ausentando pouco a pouco. Aos cinco anos tinha hora certa para deitar; aos catorze esquecia-se da hora muitas vezes. Eram cada vez mais estes esquecimentos e, de todas as vezes, ele entrava em pânico e a escuridão que nele nascia crescia e transbordava por todo o quarto.

Ela prometera-lhe não ir a lado nenhum. Afinal, os monstros debaixo da cama também se sentem sós. Se não houver ninguém para acreditar neles, como é que eles sabem que realmente existem?

Agora aperta-lhe a mão de novo, veste o pijama e deita-se. Ele recolhe-se de volta ao chão liso e enquanto ela vai ajustando a almofada ele vai puxando de novo a escuridão, como se de um cobertor se tratasse.

Anos mais tarde, ela tem as malas feitas e os sonhos ainda por fazer. Parte numa aventura que dura um ano inteiro, por países onde o poente tem outros tons e as almofadas nem sempre existem. Mas na hora de dormir, mesmo sem horas, a escuridão sempre regressa para lhe tapar o frio da distância. E ela sabe que se abrir os olhos e estender o braço, o monstro debaixo da cama ainda lá vai estar.

Nem todos os monstros têm medo de adultos.

 

imagem: Alexandra

Texto: carina.

26
Ago17

Carta De Amor

Carina Pereira

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Ainda me lembro daquele fim de tarde sombrio, quando te vi pela ultima vez. Faz hoje dois anos.

Fomos tão felizes juntos, eras o meu melhor amigo.

Nunca entendi porque tinha de ser assim, porque te foste embora sem dizer nada.

Ainda te lembras daquela viagem que fizemos a Paris? Dizias-me lá, que eu era o amor da tua vida e que me querias para sempre.

Foi lá… foi lá que me deste este anel que ainda tenho do meu dedo. Ainda não fui capaz de o tirar. Quando olho para ele, vejo ainda os teus olhos cheios de amor como quando chamavas por mim.

Depois de ires embora, passei meses sem conseguir dormir. Cada vez que fechava os olhos voltava a ver tudo à minha frente. Um pesadêlo, era tudo o que eu queria que fosse … um pesadêlo.

Sinto tanto a tua falta… falta dos teus carinhos, do teu amor.

Agora, já consigo dormir algumas horas, mas a cada barulho eu acordo. Fico sempre à espera que entres por aquela porta com um ramo de flores, como costumavas fazer, e a dizer que me amas.

Eu sei, eu sei que tenho de seguir com a minha vida. Mas, a minha vida foste sempre tu.

Vendi o carro, sabes. Vendi-o, porque já não conseguia conduzir mais. Cada vez que tentava… o meu choro era tão intenso que não conseguia ver nada à minha frente.

Conduzir só me fazia lembrar e reviver aquele maldito acidente! Aquele maldito acidente que te roubou de mim.

 

imagem: Vi

texto: Alexandra 

19
Ago17

Girassóis á porta

F. Alexandra

 

Girassóis à porta

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O nome dela era Solange, todos a tratavam por Sol. Era uma rapariga que costumava ajudar tudo e todos.
Cabelo longo e ondulado como o mar em tempos ventosos, acompanhado de olhos castanhos reluzentes e com um leve tom laranja. Solange era uma rapariga extraordinária.
Um belo dia depois de sair do trabalho de voluntariado, seguia o seu caminho para casa e encontrou uma carteira azul no chão. Nela estava escrita o seguinte: “Um dia que ergueres à luz, nunca olhes para trás e continua o teu caminho como o tens feito.”
Entregou a carteira na estação mais próxima e continuou o seu caminho.

No seu entretanto pensava: De quem era aquela carteira? Ainda bem que a entreguei na esquadra.
No dia seguinte Solange voltou ao trabalho, e sem demoras recebe um telefonema.
- Muito obrigado por ter encontrado a minha carteira, fico muito agradecido – diz uma voz do outro lado do telefone.
- Não é preciso agradecer, eu só fiz o meu dever. - Deu um leve sorriso.
-Mesmo assim tenho que agradecer, foi um bonito gesto da sua parte. Já agora o meu nome é Pedro.
- Muito prazer o meu é Solange, mas todos me tratam por Sol.
- Que nome bonito, Solange. - Dá uma leve risada
-Obrigada. – Sorri. – Caso necessite de alguma coisa é só ligar para este número.
- Obrigada.
Quando chega ao seu prédio depois de um dia cansativo, Solange abriu a porta principal e subiu as escadas como faz todos os dias.
Na porta da sua casa, está um cesto azul com a mesma frase que estava na carteira que tinha encontrado, com dois girassóis e um bilhete.

Solange abre o bilhete e lê-o em voz alta -

''Boa noite Solange, ou devo eu dizer Sol?

Entrego-te este cesto azul com girassóis porque combinam consigo, Girassol – Sol, para agredecer o seu bom gesto de hoje.

Tenho uma proposta de trabalho para si...Quero que venha trabalhar para a instituição que estou encarregue, chama-se “Luz para as crianças”. Espero que nunca desista de fazer boas acções e de ajudar os outros. Fico á espera da sua resposta. Até lá, Pedro”.


Solange entrou dentro de casa, agarrou no telemóvel e sem demoras ligou para Pedro dizendo que aceitava a proposta. Aquele bilhete fez lhe entender que se fizer o bem, terá sempre os seus benefícios.

 

imagem: carina.

texto: Vi. 

 

16
Jul17

Sozinho

F. Alexandra

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Sozinho,

Fecho os olhos,

E desespero.

Posso ser sincero?

Preciso que me regues de ti,

Universo,

Que as tuas estrelas,

Sejam as letras dos meus versos,

Embala-me,

Deixa-me querer,

Deixa-me sonhar,

Deixa-me perder.

 

 

 

Imagem: Vi

Texto: Alexandra

 

10
Jul17

Batôm vermelho

F. Alexandra

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Retocou o batôm vermelho no espelho da casa de banho e saiu para o hall. Estava cheio de gente a caminhar de um lado para o outro, ao fundo ouvia-se a música do bar do hotel: jazz, vozes roucas e copos pousados de encontro ao balcão de mármore.

Mal fechara a porta completamente, já o via, fato escuro e a gravata justa ao pescoço num nó irrepreensível. Só que ele não estava só.

Dedos enlaçados nos dele, uma outra mulher, cabelo negro e o vestido o mesmo, caminhava ao seu lado com a confiança de quem tem a certeza daquilo que possui.

Ela retraiu-se de novo para a casa de banho, segurando a porta que a ocultava dos olhares indiscretos do hall e viu-os passar, desaparecendo para lá das portas de vidro, corpos tão juntos que não se entendia onde um acabava e começava o outro.

Dirigiu-se ao bar, atordoada. Reunião de trabalho, dissera-lhe ele. Vou ter saudades, confessara ela e ele tinha-lhe enxotado a carência com um abanar de cabeça, passa depressa vais ver e beijou-a nos lábios como quem acredita que as palavras podem ser presságios.

- Posso oferecer-lhe uma bebida?

A voz, no lado esquerdo do seu ombro, perto demais.

- Eu posso pagar as minhas próprias bebidas.

E deixou uma nota sobre o balcão e a bebida por tocar. Azeitona a afundar-se no copo como ela parecia estar a afundar-se em si mesma.

Duas horas a conduzir de volta a casa, estava exausta. Não do tempo, nem da condução, mas da forma como a vida se revira. Que sinais tinha perdido e o que interessava isso agora?

Fez as malas e levou tudo aquilo, e só aquilo, que não podia dispensar. Trocou de sapatos e de roupa, fez uma pilha na banheira com as coisas dele e, por cima, despejou o conteúdo do bar. Trazia um isqueiro na bolsa, gravado com as suas iniciais, um presente que ele lhe dera; de anos em que eles ardiam sem se tornarem em cinza. Acendeu-o e levou um só segundo, mal foi uma hesitação, a atirá-lo sobre o conteúdo da banheira, que irrompeu em chamas.

Deixou a porta aberta e entrou no elevador, o detector de fumo deu o alarme.  Olhou-se no espelho, retocou o batom vermelho e, assim que as portas se abriram, mergulhou na noite, sem saber bem para onde ia.

Bons homens são tão difíceis de encontrar quanto um batom de um tom vermelho perfeito e ela sabia perfeitamente qual dos dois podia dispensar.

imagem: Vi. 

texto: carina.

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